22/05/2015

MONTE THOR - GLASTONBURY, INGLATERRA



História e mitologia

A cidade de Glastonbury é particularmente notável pelos mitos e lendas a respeito da colina próxima dali, a Glastonbury Tor, que reina solitária em meio ao resto completamente liso da paisagem de Somerset Levels. Esses mitos são a respeito de José de Arimatéia, do Santo Graal e do Rei Artur.
A lenda de José de Arimatéia diz que Glastonbury foi o local de nascimento do Cristianismo nas ilhas britânicas e que a primeira igreja britânica foi construída lá, para guardar o Santo Graal aproximadamente 30 anos após a morte de Jesus. A lenda também diz que um José mais jovem havia visitado Glastonbury com Jesus quando este ainda era pequeno. A lenda provavelmente tem origem na Idade Média, quando relíquias religiosas e peregrinações eram negócios lucrativos para as abadias. No entanto, William Blakeacreditou nessa lenda e escreveu o poema que deu suas palavras à patriótica música inglesa "Jerusalém".


Avalon

Em algumas versões do mito arturiano, Glastonbury é tida como a lendária ilha de Avalon. Uma antiga história galesa liga o rei Artur a Tor, numa ocasião de luta entre ele e o rei celta Melwas, que aparentemente teria raptado a mulher de Artur, a rainha Guinevere.
Geoffrey de Monmouth identificou Glastonbury como Avalon pela primeira vez em 1133. Em 1191, monges alegaram ter achado os túmulos de Artur e Guinevere ao sul da abadia. Os restos no túmulo foram retirados e posteriormente perdidos durante a Reforma. Muitos estudiosos suspeitam que essa descoberta foi forjada para sustentar a antiguidade da fundação da abadia e aumentar sua fama.
Também foi em Glastonbury, de acordo com algumas versões da lenda arturiana, o local em que Lancelote se recolheu em penitência após a morte de Artur.



09/09/2014

LITERATURA E PSICOLOGIA ANALÍTICA

Teresinha V. Zimbrão da Silva 

“É certo e até mesmo evidente que a psicologia, ciência dos processos anímicos, pode relacionar-se com o campo da literatura.”
Carl Gustav Jung.
É no volume intitulado em português, O Espírito na Arte e na Ciência, que encontramos os ensaios de Jung sobre as relações entre literatura e psicologia analítica. Lemos então que a “força imagística da poesia”, que pertence ao domínio da literatura e da estética, é um fenômeno psíquico, e como tal pertence também ao domínio da psicologia. Nestes ensaios, Jung defende o que chamaríamos hoje de interdisciplinaridade.
O presente trabalho pretende-se também interdisciplinar: esboça uma leitura do conto, A Cartomante, de Machado de Assis, a partir de conceitos da psicologia analítica.
Sabemos que Jung diferencia dois procedimentos distintos na criação da obra literária: o psicológico e o visionário. Considerando esta diferenciação, Nise da Silveira assim definiu a obra machadiana:
”Na literatura brasileira vamos encontrar excelentes exemplos de obras psicológicas nos romances e contos de Machado de Assis.”1
Sabemos também que para Jung é a obra visionária e não a psicológica que mais oferece possibilidades de interpretação ao psicólogo. Na obra psicológica, o autor antecipa a psicologia particular de seus personagens, sobra ao psicólogo pouco a acrescentar que o autor já não o tenha dito e muito melhor. Jung sublinha:
“O assim chamado romance psicológico, por exemplo, (...) tem por assim dizer sua própria psicologia, que o psicólogo poderia, no máximo, completar ou criticar.“2
Pois é nossa pretensão “completar” a psicologia machadiana no conto, A Cartomante. Como? Tornando-a, na medida do possível, explícita em termos junguianos.
Por fim, importa acrescentar, que este trabalho não é da autoria do psicólogo, mas do crítico literário que está tentando se apropriar de conceitos da psicologia analítica para a leitura de Machado de Assis.
“Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens. 
Machado de Assis
Rita é uma provinciana de trinta anos casada com o advogado Vilela, de vinte e nove, cujo porte grave o faz parecer mais velho que a mulher. Rita apaixona-se por Camilo, de vinte e quatro anos, amigo de infância do marido. O adultério se consuma e é descoberto. Camilo passa a receber cartas anônimas ameaçadoras e começa a rarear as visitas à casa de Vilela, mantendo com redobrado cuidado os encontros com Rita em uma casa no subúrbio. Rita, insegura, decide consultar uma cartomante sobre a causa dos cuidados de Camilo e a cartomante restitui-lhe a confiança de que o rapaz a ama. As cartas e os encontros continuam até receber Camilo um bilhete de Vilela: “Venha já, já, à nossa casa”. É a vez de Camilo, inseguro, consultar a cartomante que lhe assegura não haver perigo nem para ele, nem para ela, pois o terceiro ignora tudo. Camilo, confiante, decide ir à casa do amigo. Lá, Vilela o abate a tiros, mas antes, Camilo tem tempo de ver o cadáver ensangüentado de Rita.
Trata-se da psicologia do adultério na sua versão machadiana. O estudo das motivações internas dos personagens é uma especialidade do escritor. Em breves linhas, Machado nos informa que Camilo não desenvolveu boas relações com o pai, viveu sob forte influência da mãe, tornando-se um adulto por demais dependente:
“Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público.” 3
Camilo parece sintetizar o que a psicologia definiria como um complexo materno (conteúdo do inconsciente pessoal) não resolvido. O desenvolvimento do ego foi perturbado - supomos - por um excesso de presença materna de um lado, e ausência paterna de outro (situação comum na família patriarcal do Brasil oitocentista, agravada, no caso, pela morte do pai). Camilo não teria recebido a ajuda do pai para sair do mundo da mãe, sem o incentivo paterno, seu ego permaneceu dependente da influência materna.
O desenvolvimento do ego pode ser comparado ao mito do herói. A primeira batalha a ser ganha é contra o complexo materno. O ego-herói precisa lutar e libertar-se do desejo de permanecer no mundo paradisíaco da infância. Se ele vence, sai fortalecido, se perde, sai fragilizado. No caso de Camilo, o ego parece ter perdido esta primeira batalha.
Segundo a psicologia analítica, um complexo materno não resolvido, no homem, pode causar dificuldades no seu relacionamento com a anima (conteúdo do inconsciente coletivo). Para definirmos este conceito junguiano, recorremos ao auxílio de Marie-Louise Von Franz:
Anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique do homem.” 4
Por “tendências psicológicas femininas”, entenda-se as características que são tipicamente identificadas como femininas na cultura a que pertença este homem. Estas características constituem o que o homem desconhece nele mesmo. Se o que ele, em geral, conhece e desenvolve é seu ego masculino, o que desconhece e resta desenvolver é sua anima, seu lado feminino. E é muito importante que ele a reconheça e desenvolva porque é este seu lado feminino o responsável pelo “relacionamento com o inconsciente”. A anima representa, no homem, a sua voz interior.
Como todo conteúdo inconsciente, a anima se torna consciente quando projetada no mundo externo. Podemos então olhar, e como num espelho, vermos a nós mesmos. A dificuldade está em reconhecer que as características que estamos vendo no outro são na verdade nossas. Se o homem consegue vencer esta dificuldade e passa a projetar adequadamente a sua anima, esta exercerá a sua função de guia no relacionamento com o inconsciente.
anima é geralmente projetada em mulheres. A primeira mulher a receber esta projeção é a mãe. Uma demora anormal na retirada desta projeção corresponde a uma má resolução do complexo materno. A mãe segura a anima do filho numa relação infantil. O ego-herói perde a batalha de libertação da anima e se torna fragilizado. O homem pode crescer incapaz de desenvolver tanto o seu lado masculino, o ego, quanto o seu lado feminino, a anima, tornando-se o “filhinho da mamãe”.
Este parece ser o caso de Camilo: as características culturalmente identificadas tanto como masculinas, quanto como femininas, nele, estão subdesenvolvidas.
Por exemplo, a realização profissional. No século XIX, só aos homens é reservada uma profissão. È uma característica de ego masculino não desenvolvida em Camilo. De fato, o conto nos informa que Camilo era um “ingênuo” na vida prática, sobretudo, não queria ser nada, começou a trabalhar porque a mãe lhe “arranjou” um emprego público. O trabalho conquistado (não um “emprego arranjado”) poderia fortalecer o seu ego fragilizado
Quanto a sua anima, sublinhamos as seguintes características subdesenvolvidas: a receptividade ao amor, à intuição, ao irracional. Todas estas são características consideradas femininas na cultura ocidental. O amor está associado à mulher: mãe e amante. Também supõe-se que a mulher seja mais intuitiva e receptiva ao irracional do que os homens: desde as sacerdotisas gregas da antiguidade, às cartomantes da modernidade. Pois Camilo não desenvolve em si estas características femininas. O não desenvolvimento da sua “mulher interior”, torna Camilo dependente de mulheres exteriores.
Sua dependência com relação à figura feminina (primeiro da mãe, e, posteriormente, das substitutas da mãe) é exemplificada nos seguintes acontecimentos: depois do “desastre” representado pela morte da mãe, foi uma mulher, Rita, quem cuidou do seu desamparado “coração”, substituindo então o amor materno pela paixão. E quando mais uma vez, se viu Camilo em um momento decisivo da sua vida, foi uma outra mulher, a cartomante, quem procurou para aliviar o seu “coração”.
Camilo está sempre à procura do colo materno. Nas situações em que são mobilizidas as suas mais intensas emoções, sua anima é projetada numa mãe substituta que há de embalar o seu coração. Até que um dia esta mãe-anima, tão sedutora, o trai e o embala até a morte. De fato, veremos que são as três mulheres, a mãe, Rita e a cartomante, que o guiam, direta ou indiretamente, a um fim trágico.
Segundo Jung, a “mulher interior” de um homem há de influir na sua vida de modo positivo ou negativo. Se por um lado, reconhecida e desenvolvida, a anima pode guiar o homem ao paraíso. Se por outro, permanecer inconsciente, poderá significar a própria perdição na vida de um homem. Camilo é um bom exemplo. Vejamos.
Com a morte da mãe, Rita a substitui, torna-se sua “enfermeira moral”, “quase uma irmã”. Contudo, Rita é “mulher e bonita”, e Camilo, “um ingênuo na vida moral”. Tão ingênuo que, como daí chegaram os dois ao amor adúltero “não o soube ele nunca”. Da influência da mãe, Camilo passou à influência da amante: “quis sinceramente fugir, mas já não pode”. O adultério consumado é sentido como uma batalha perdida: “ficou atordoadado e subjugado”, entre “vexame, sustos, remorsos”, a “batalha foi curta”.
Camilo revela-se então receptivo a um tipo de amor: o proibido. Apaixona-se pela mulher do seu melhor amigo. A receptividade ao amor, característica subdesenvolvida de sua anima, irrompe na sua vida de um modo negativo. Camilo não deu atenção a esta face (e a outras) da sua “mulher interior” e é por isto cobrado. Sua anima é, a princípio, sua inimiga e o seduz, através de Rita, a uma situação perigosa de adultério. No rosto de Rita, uma dama provinciana “formosa e tonta”, sua anima revela uma face primária e vulgar. A vulgaridade de uma atrai a da outra: “Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé”.
anima é sobretudo visível quando projetada na mulher por quem o homem se apaixona. Existem quatro estágios no seu desenvolvimento, o primeiro corresponde à figura de Eva, a mulher que seduz Adão, e representa o relacionamento puramente instintivo e biológico. É o caso da anima subdesenvolvida de Camilo. Sua face de Eva-Serpente é sobretudo visível na seguinte projeção em Rita:
“Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca.“5
Camilo é “envenenado” por sua anima. Por não reconhecê-la, não consegue desenvolver o antídoto que poderia salvá-lo. Permanece preso à teia do adultério até ser engolido por um fim trágico.
Quanto às suas outras características femininas subdesenvolvidas: a receptividade à intuição e ao irracional, o conto é explícito: Camilo não tinha “intuição”, era um “ingênuo”. Diante do irracional, representado pela cartomante, não se mostrou, de início, receptivo, tinha a consciência de que “não acreditava em nada”, nem em “superstições”, nem em “crendices”.
Aqui importa considerar dois outros conceitos da psicologia analítica, o de sombra (no caso, conteúdo do inconsciente pessoal) e o de persona . De um modo geral, os conteúdos que o ego rejeita tornam-se sombra, os que aceita, tornam-se persona. Se a sombra é o rosto que ocultamos nas relações com os outros, a persona é o que revelamos. A sombra possui qualidades pouco recomendáveis às convenções sociais, já a persona é compatível com estas convenções. Persona e sombra são opostos - por exemplo, se uma é racional, a outra é irracional.
Considerando que a sociedade brasileira oitocentista – o conto se passa por volta de 1869 – sofria um intenso processo de europeização, ou seja, de adoção dos valores de uma Europa racional e positivista, é compreensível que Camilo procure adotar uma persona racional, reprimindo uma sombra irracional. Outra vez, o conto é explícito - ao saber da consulta de Rita à cartomante, Camilo ri e pensa consigo mesmo:
“Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada.” 6
Note-se o quanto a receptividade à intuição e ao irracional são consideradas, de fato, características femininas na cultura ocidental (procedentes da mãe-anima). Características que a persona racional e positivista do homem oitocentista “deixa cair” para dentro da sua sombra.
Podemos afirmar então que a anima de Camilo, em sua face intuitiva e irracional, quando projetada contamina-se com a sombra do homem oitocentista. Portanto, é com esta anima sombria que Camilo terá que prestar contas.
O seu fim trágico é vislumbrado ao receber o bilhete de Vilela. Camilo então desconfia de que o adultério tenha sido descoberto. A caminho da casa do amigo, o Acaso pára o seu tílburi próximo à casa suburbana da cartomante: “nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas”. Camilo, que não consultava a sua “mulher interior”, de repente deseja consultar esta mulher exterior. Num momento decisivo da sua vida, quando estão mobilizadas todas as suas emoções, sua anima sombria é projetada na cartomante – e a reprimida crença em “superstições” irrompe do seu inconsciente:
“A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas (...) fez um gesto incrédulo: era a idéia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas áreas cinzentas; desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos...“ 7
Camilo olha para a casa. “Dir-se-ia a morada do indiferente Destino”. Dependente do colo materno, consultaria à cartomante se deveria ir ou não à casa do amigo?
“A casa olhava para ele. As pernas queriam descer e entrar... Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas cousas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários.” 8
É a voz da própria mãe-anima quem o guia. Quando deu por si estava ao pé da porta. Subiu a escada e bateu. A cartomante veio, uma italiana com “grandes olhos sonsos”, uma versão moderna e vulgar das sublimes sacerdotisas gregas. Sua vulgaridade atrai a projeção da anima primária e vulgar de Camilo. Consultada, a cartomante alivia o seu coração: Vilela nada sabe. Não há o que temer. Camilo, embalado com a previsão “maternal” das cartas, revela-se completamente seduzido por esta projeção da sua anima sombria:
“Era assim, lentas e contínuas, que as velhas crenças iam tornando ao de cima, e o mistério empolgava-o com unhas de ferro.” 9
São mesmo “unhas de ferro”, marcadas de sangue, que o espreitam no seu curto futuro. Camilo revela-se uma presa fácil das “garras” da sua “mulher interior” que o seduz para traí-lo. Quando chega à casa do amigo, é morto a tiros e cai ao lado do corpo de Rita. As mulheres significam de fato a sua perdição. A cartomante - o próprio título do conto - sintetiza o relacionamento de Camilo com o feminino: uma estória de dependência, traição e morte.
Seu fim é trágico, mas vulgar. Na sua vida, sobram vulgaridades. Camilo não conquistou a “sublimidade” da anima, nem a “dignidade” do ego-herói, permaneceu um “ingênuo” – dependente da mãe. Seu pecado mortal é a dependência materna; sua punição é a morte pela traição. É a própria voz da mãe-anima, projetada na cartomante, que o seduz e trai, embalando-o até morrer.
“Machado de Assis está dizendo coisas que Freud diria 25 anos depois.”
Roberto Schwarz
É nossa esperança que este trabalho tenha conseguido, pelo menos, se aproximar de suas pretensões de interdisciplinaridade entre os campos de estudos machadianos e junguianos. Já é relativamente considerável a bibliografia sobre Machado de Assis e Freud. O mesmo não se pode dizer de Machado e Jung. É verdade que foi o próprio Jung quem, de certo modo, desencorajou o estudo das obras psicológicas a partir da psicologia analítica, preferindo antes estudar as obras visionárias. Contudo, também foi o próprio Jung quem nos ensinou a desconfiar de unilateralidades...
De qualquer modo, como crítica literária, penso que a psicologia analítica tem a contribuir, e muito, para a leitura de Machado de Assis - e espero ter conseguido, neste trabalho, traduzir em palavras o meu pensamento. Machado também está dizendo coisas que Jung diria muito tempo depois.
BOSI, Alfredo [et al]. Machado de Assis: Antologia e Estudos. São Paulo: Ática, 1982.
FREITAS, Luiz Alberto Pinheiro de. Freud e Machado de Assis. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.
JACOBY, Mario. O desenvolvimento do ego. Problemas de fraqueza do ego. [curso dado no Instituto C.G. Jung, Zurique, 1971].
JUNG, Carl Gustav. O Espírito na Arte e na Ciência. Obras Completas, vol. XV. Petrópolis: Vozes, 1985.
_________ Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas, vol. IX-I. Petrópolis: Vozes, 2000.
_________ [et al]. O Homem e seus Símbolos. Trad. Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
MACHADO DE ASSIS, J. M. A Cartomante. Obras Completas, vol. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
PORTILLO, Valnice Gerolim. O complexo materno não resolvido, no homem, causa dificuldade no relacionamento com sua anima. 2001. Recebido por e-mail de PosJungIBMR@yahoogrupos.com.br em 11/05/2004, p. 1-6.
SILVEIRA, Nise da. Jung: Vida e Obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
STEIN, Murray. Jung: O Mapa da Alma. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 2004.
VILLAÇA, Alcides. Machado de Assis: planos de um contista. Folhetim, 25 de novembro de 1984, p. 8-9.

AS HEROÍNAS

Liliana Liviano Wahba


Introdução
O significado do mitologema do herói e da heroína para a psique refere-se a comportamentos representativos de um enfrentamento, seja este de ordem moral, intelectual, emocional. O ciclo heróico retrata uma saga que objetiva a conquista de um bem, de uma finalidade que ultrapassa as ações do cotidiano à procura de soluções que o ser humano comum não consegue alcançar. Seja via enfrentamento de um perigo e ameaça iminente, de uma necessidade de superação e de atinar com novos parâmetros na vida, de uma empreitada rumo ao desconhecido, sempre acompanhada da coragem de lançar-se, de transcender as normas convencionais e de confiar na liberdade de ser.
Nos  mitos e lendas o herói e a heroína são freqüentemente protegidos por deuses favoráveis; no entanto, também sofrem a perseguição de deuses contrários e hostis.
Cada ação, tesouro, bens conquistados, assim como os elementos protetores ou negativos, constituem símbolos cuja mensagem aponta para o desenvolvimento interior.

As heroínas
Descreveremos a seguir algumas heroínas procurando decifrar suas mensagens simbólicas. Pode-se vivenciar emocionalmente o que essas heroínas representam em diferentes momentos da vida.
Mais do que procurar uma tipologia, de quem representa o quê para um tipo específico de personalidade, ajuda pensar que cada heroína tem facetas com as quais podemos nos identificar em determinada fase da vida, quando um enfrentamento se apresenta, quando uma mudança difícil requer coragem e segurança.
Um elemento comum das heroínas a seguir descritas é que elas desafiarão um padrão vigente, serão desobedientes àquilo que delas se espera. Se não o fizessem, a tarefa heróica seria truncada ou jamais se iniciaria. Veremos como o padrão patriarcal da cultura, entendido como o domínio do poder masculino, da lei e da norma, sem diálogo de opostos e contemplação de diferenças, é confrontado.
Outro elemento essencial é a coragem, seja ela física, de luta, ou de acreditar em princípios e se pautar por eles, contestando o poder que se lhes contrapõe. 
Cabe à mulher trilhar o seu percurso desvencilhando-se de projeções que a sociedade lhe impôs, tais como sua natureza maternal, a doçura feminina, a incapacidade de um pensamento original, a sexualidade domada. Cabe-lhe também o desenvolvimento - parte de sua natureza - da inteligência, da indagação, da capacidade de trabalho, assim como do cuidado materno. 
Os mitos, de origem arquetípica, revelam as distintas facetas de ser que extrapolam aquilo que se privilegia ou desenvolve em determinada época e cultura. A apresentação a seguir é um esboço que permite múltiplos desdobramentos.

HEROÍNAS GUERREIRAS

Hipólita 
Rainha das Amazonas, as guerreiras que lutavam contra os homens e defendiam seu território, arqueiras certeiras e exímias com cavalos. São devotas à deusa Ártemis, a virgem assassina e protetora, que mata com suas temíveis flechas. Essa deusa da fertilidade e da fecundidade possui um duplo aspecto: divindade da floresta, protetora das Amazonas e de seus escolhidos, deusa dos partos, e também guerreira que amedronta.
Hipólita tinha um cinto que lhe foi presenteado pelo deus da guerra, Ares, e uma das tarefas do herói Heracles era se apoderar deste. Ela se prontificou a entregá-lo a ele, mas devido a uma intriga de uma deusa, Heracles foi levado a acreditar que era uma traição e assim matou a corajosa rainha e tirou-lhe o cinto.
Hipólita representa, assim, a mulher que possui o poder, já que o cinto representa poder e elemento de ligação, engajamento, e se prontifica a entregar sua autossuficiência para viver o amor. O ato de Hipólita foi consciente e, como muitas mulheres, é fadada às vezes à entrega errada e sofre uma traição. Heracles não estava à altura da grandeza da rainha e ela pagou com a vida. Devemos lembrar que o mito traz um ensinamento, pelo qual mulheres traídas, identificadas à corajosa rainha, hão de encontrar o refúgio de não serem as únicas que se deixaram enganar, para poder prosseguir a cavalgada após a queda. Ou seja, a heroína não vence todas as batalhas, até morre, assim como nos sentimos morrer após uma grave desilusão. 

Brunhilda
Esta é uma complexa heroína que também irá morrer. Observa-se que a morte mitológica não se interpreta simbolicamente somente como fracasso, mas como o sentimento imbuído de quem vivencia esse mito: a morte representa o fim de algo, de um estado de consciência.
Brunhilda é a principal das Valquirias da mitologia nórdica, intrépidas guerreiras - filhas do deus supremo Wotan -, que levam os heróis escolhidos que sucumbem em batalha para a vida eterna do Valhala, ao lado do deus. Preferida do pai, ousa rebelar-se contra ele e desafiar seus veredictos por achá-los injustos. Um novo ciclo se anuncia com a descoberta da verdade por parte de Brunhilda. É castigada duramente e condenada à mortalidade já que, como filha de Wotan, era imortal.
É também condenada a permanecer em sono prolongado em uma rocha rodeada de círculo de fogo, até que um homem ousasse desvirginá-la. O herói Siegfrid terá essa coragem, apaixonado pela bela Brunhilda. No entanto, depois de viverem um amor intenso ele viaja e a esquece. Apesar de ser vítima de uma poção do esquecimento, não deixa de representar a mulher abandonado pelo amado.
Brunhilda simboliza a integridade e a heróica missão de conduzirmos metas apesar de sermos limitados e finitos. Ela segue a verdade interior, contesta o poder paterno e os dogmas e prefere ser fiel a si mesma. Entrega-se ao amor por inteiro e essa capacidade de doação da heroína não mede vantagens ou lucros. A heroína guerreira, a filha do pai, transforma-se em heroína do amor e da verdade.

HEROÍNAS DO AMOR

Ariadne
É filha do rei Minos e irmã do Minotauro, metade touro e metade humano, ao qual entregavam jovens em sacrifício. Vivia no labirinto de onde ninguém conseguia sair. Quando Teseu, o herói grego, foi enfrentá-lo, Ariadne se apaixonou por ele e, desafiando o pai, lhe entregou um novelo de fios para encontrar o caminho de volta. Teseu matou o Minotauro e sua promessa de casar com Ariadne foi desfeita, já que a abandonou no caminho de volta a Atenas em uma ilha. O deus Dioniso, deus do vinho, do êxtase, se apaixonou por ela, e tiveram quatro filhos formando um casal.
Ariadne é outra heroína traída, e representa aquela que contesta as convenções e papéis tradicionais familiares para seguir o amor e amadurecer como mulher. Apesar de traída por Teseu, o encontro com Dioniso simboliza uma mulher que conseguiu realizar suas paixões, gratificada pelo deus da sensualidade, da dança, da alegria de viver. Muitas mulheres permanecem rigidamente atreladas a papéis e expectativas sociais e não descobrem o feminino sensual escondendo sua vitalidade.

Hipermnestra
Era uma das filhas do rei Danaó que fundou a cidade de Argos e que tinha 50 filhas: as Danaides. Inimigo de seu irmão gêmeo, o qual tinha também 50 filhos, promete desposá-las com eles, mas teriam que matar os maridos na noite de núpcias. Todas assim o fazem a não ser Hipermnestra, que poupa o marido. O significado de seu nome é a que reflete, tem medida, moderação. O pai a prende, em julgamento, e é liberada por uma corte de deuses que admitem o valor de seu ato justificado pelo amor.
Esta heroína também representa a contestação de normas patriarcais impostas, que fazem com que a mulher nutra ódio pelo homem, o agrida, por permanecer fiel à imagem paterna sem poder crescer como mulher independente. É interessante avaliar o símbolo do castigo imposto às irmãs, que devem preencher eternamente um tonel sem fundo, ou seja, elas jamais saciam suas paixões, permanecem em estado de secura e sede, em carência emocional e afetiva. Seria a sina de mulheres insatisfeitas, que sonham com amores impossíveis e se apaixonam sem concretizar relacionamentos. A heroína, aqui, escolhe seus atos e tem coragem de ir até o fim em nome de sua escolha.

Psiqué
O mito de Eros e Psique influenciou romances e histórias. Psique, etimologicamente, é sopro, principio vital, alma. Além da mulher, seria nossa alma em busca de amor.
O mito conta que Eros se apaixona pela jovem e belíssima mortal, tão bela quanto a mãe dele, a deusa do amor Afrodite, que tem ciúmes de sua beleza. Eros a leva a um palácio no qual à noite deita com ela e se entregam ao amor, mas ela não pode vê-lo. De dia, Eros desaparece. Até que Psiqué lhe descobre o rosto e Eros foge.
Psiqué, desesperada, parte em busca do amado e implora a Afrodite que a poupe. A deusa lhe dá quatro tarefas impossíveis de serem cumpridas por uma mortal. Cada vez Psiqué pensa em se matar, mas conta com ajuda de seres que lhe mostram como cumprir as tarefas, ou a realizam. São estes, as formigas, um caniço, a águia do deus supremo Zeus e uma torre. A última tarefa consistia em trazer o fluído da beleza imortal em uma caixa; curiosa e desejosa de possuir tal fluído, Psiqué abre a caixa e cai em sono profundo, o sono da morte. Finalmente, Eros a salva e ela é levada ao Olimpo, onde tem com ele sua filha.
Este belo mito mostra a transformação da paixão em amor, e os tributos a serem pagos à deusa do amor que, como deusa, pouco se importa com os mortais; ou seja, a paixão tem seus perigos e precisa de discriminação e de ajuda de elementos profundos do inconsciente em parceria com o ego para transformá-la: as fantasias, produções de afeto e de pensamento espontânea e não controladas pela vontade, que habitam nossa psique. O desafio é entrar em contato com esses elementos e produções do imaginário, sem ser sobrepujado por eles, mas tentando uma conciliação e integração. Psiqué falha no final e é salva, mas suas tarefas anteriores produziram efeito, já que o deus Eros abandona a mãe e a assume como esposa. O amor transforma Psiqué mulher, assim como nossa psique é revitalizada por ele. A heroína supera o desejo suicida, ou de desistência, sentimento recorrente quando algo parece impossível de se atingir. A ajuda vem de fora e de dentro, desde que saibamos dialogar com nossas imagens internas.

AS HEROÍNAS DA INTEGRIDADE

Ifigênia
Esta é uma heroína sacrificial, oferecida por seu pai o rei Agamemnon em sacrifício à deusa Ártemis para que o vento soprasse novamente e os navios guerreiros pudessem partir da Grécia. A tragédia de Sófocles mostra sua saga. No altar do sacrifício é poupada e substituída por uma corça, ou ursa, e se torna sacerdotisa da deusa. Apesar de ser levada obedientemente ao sacrifício, ela aceita seu destino, pois, se não pode mudá-lo, pode cumpri-lo de modo pessoal. Aceita corajosamente o que os deuses lhe impõem.
É difícil compreender tal ato como heróico, parecendo, à primeira vista, uma passividade às leis absurdas de dominação e poder. O mito precisa ser compreendido de múltiplas formas. Se, de um lado importa à mulher desafiar o autoritarismo com leis enrijecidas e o pai que as representa - como visto nas outras heroínas - há situações que não permitem uma mudança no momento, ou que trazem uma inevitabilidade contra a qual a luta desgastaria sem resultados. A atitude mais sábia seria a de esperar, e contar com ajuda de nossa inspiração interior e criatividade, seja para ter coragem de superar uma dor, seja para encontrar um rumo novo. No caso de Ifigênia, foi o de sacerdotisa da deusa da natureza selvagem. Saber diferenciar quando o desafio e a luta são o melhor caminho heróico ou quando se impõe a espera, é uma tarefa, por si, heróica.

Antígona
Uma grandiosa heroína também da tragédia de Sófocles, aparece em dois momentos importantes do relato. É filha de Édipo e acompanha o pai, que se cegou, no exílio, conduzindo-o. Com ele fica até sua morte. A cegueira de Édipo após a tragédia de ter esposado sua mãe e ter com ela filhos, representa a sabedoria que se volta para a reflexão, longe dos afazeres mundanos; aqui Antígona é guia e companheira do pai redimido e sábio, após assumir suas culpas e inconsciência anterior.
Posteriormente, há uma luta de poder entre seus irmãos Etéocles e Polinice, na qual ambos morrem em batalha. Mas Polinice é proibido de ser sepultado pelo rei, o que constitui enorme transgressão e ofensa à alma do falecido. Antígona, sabendo que será por isso condenada à morte, joga terra no corpo do irmão, purificando-o. O rei a condena à morte.
Esta heroína nos ensina algo fundamental em uma época na qual impera a hipocrisia, o poder sem escrúpulos e sem princípios éticos. Ela resgata com sabedoria e integridade a ética e os valores que se fazem ausentes perante o domínio do poder arbitrário. Tem coragem de enfrentar a morte para realizar o ato digno e vai atrás da verdade, desafiando convenções. Essa busca fundamental é por nós às vezes esquecida, seja por acomodação, ou por receio de não saber como proceder. Morrer, no mito, simboliza a morte de algo habitual, assim como deixamos morrer o velho para obter o novo que se apresenta. Antígona serve de inspiração nos dia de hoje, quando as verdades se camuflam em palavras de ordem de diversas naturezas, enganosas e venenosas.

Referências 
ALVARENGA, M.Z. De Atená a Brunhilda. Anais do IV Congresso Latino-americano de Psicologia Junguiana. Punta del Este, 2006. p. 151-4.
BRANDÃO, Junito S. Mitologia grega. Rio de Janeiro: Vozes, 1991.
ZOJA, L. Against Ismene: is reductionism a Western plague? Junguiana, n. 21: 99-109,  2006.

Fonte

Heróis e heroínas - modelos arquetipicos


Por: Hellen Reis Mourão


Nos contos de fadas, encontramos a figura do herói, ou heroína. Uma figura para a qual torcemos e com a qual nos emocionamos. Suas peripécias e façanhas nos fazem sonhar e nos arrebatam da realidade em que vivemos.
O herói é abstrato e nos mostra algo ideal. Geralmente seu nascimento não é habitual. Esse nascimento é comumente acompanhado de algo miraculoso, de diferente, e algumas vezes o casal parental não pode conceber.
Outra característica marcante é que ele ou ela deve passar por certo numero de provas para poder alcançar seu objetivo.
Mas esse fascínio que essas figuras nos causam é devido a um caráter irracional do herói. O herói e a heroína não são seres humanos comuns, são figuras arquetípicas.

De acordo com Von Franz em O feminino nos contos de fadas, o herói e a heroína dos contos de fadas representam um ego arquetípico que é edificado pelo Self. Ele é o impulso latente para a produção do ego, por isso as crianças que estão no estágio de formação do ego se encantam tanto com essas figuras. Os heróis são um modelo ideal do Complexo do ego. Eles representam um modelo de comportamento da personalidade consciente. Aquele que age em harmonia com seus instintos e com a totalidade psíquica.
A psique com seus arquétipos é uma possibilidade virtual, e necessita do ego para a realização concreta na realidade, senão são apenas possibilidades.
O arquétipo no inconsciente coletivo não tem forma e nem pode ser nomeado, somente quando atinge o limiar da consciência passa a ter uma forma definida e um padrão de comportamento.
Portanto a totalidade da psique necessita do ego encarnado para se realizar de forma efetiva.

Entretanto, nosso ego tem a tendência de se dissociar da totalidade psíquica e o que é pior oferecer oposição a ela, o que gera inúmeras neuroses.
Levando em consideração que o ego nasce do inconsciente, porque o inconsciente cria algo que lhe causa tanto transtorno?
É comum dizermos que nós seres humanos nos diferenciamos dos animais por termos livre arbítrio. Bem os animais, seguem seus instintos, não oferecem resistência a eles e não questionam seus atos.

Nós humanos questionamos, resistimos e interferimos justamente porque temos a consciência da finitude do ego. Sabemos que o ego é frágil e impotente diante do inconsciente. Como dizia Freud, não somos donos de nossa própria casa.
Mas é justamente nesse conflito gerado pela angustia da duvida e da dissociação que ocorre a consciência. A totalidade além de querer que estejamos em consonância com ela, ainda quer que façamos isso com consciência.

Mas ter essa consciência é uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Prometeu roubou o fogo dos deuses para dar aos homens. Zeus como forma de vingança enviou Pandora a Epimeteu e esta abre uma caixa que ele guardava a mando de seu irmão, Prometeu. Ao abrir a caixa de lá saiu todos os males que viriam para tornar a vida do homem em um caos, entretanto, ela fecha rapidamente esta, restando dentro apenas o mal que acabaria com a esperança.
Isto mostra que o fogo que traz consciência traz justamente a consciência do bem e do mal.

Além disso, atender a um pedido do Self causa um medo terrível. O ego está acostumado com aquilo que ele conhece, com a zona de conforto, mesmo que esta não seja tão confortável assim. Ele não deseja mudança, pois um dos maiores prazeres e talvez a maior paixão do homem é a preguiça.
Atender algo que vem do Self traz medo porque tem um caráter numinoso, uma força tremenda que pode mudar a personalidade consciente e fazer com percamos o controle! E o que o ego mais gosta é de controle. Por isso é muito penoso às vezes começar um novo relacionamento, entrar em um novo emprego, ou ter uma nova proposta de vida.

Estar à mercê do oceano do inconsciente e não saber para onde ele nos levará é assustador, mas os Heróis e Heroínas nos contos de fadas nos dão uma pista de que perder o controle vale a pena e que superar o medo traz a tona nossos mais preciosos desejos e a possibilidade de realizarmos na realidade prática.
Escolha seu herói, ou sua heroína e aprenda com ele, observe, sinta e aprenda de que forma ele segue seu instinto, seu faro e como ele não oferece resistência ao que tem que ser.

MOTIVAÇÃO E REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS NO COMPORTAMENTO DE TATUAR-SE: UM ESTUDO ANALÍTICO


Profa. Dra. Denise Gimenez Ramos, Branca Lapolla Mendonça e Monica Mateus da Silva



Introdução
Temos observado, nos últimos anos, em nosso meio acadêmico (PUC-SP) e social uma grande quantidade de jovens tatuados. Essa observação, grosso modo, parece estender-se a outras regiões do Brasil e a diferentes partes do mundo.
Nos Estados Unidos estima-se que a prevalência estimada da tatuagem é de 10% para adolescentes e 25% para população geral (Mayers, Judelson, Moruarty, & Rundell, 2000) com certa tendência nas mulheres de fazerem a primeira tatuagem com mais de 25 anos (Armstrong, 1991). Em uma pesquisa mais recente feita nesse país, pôde-se observar uma prevalência de tatuagem de 24% entre pessoas de 18 a 50 anos, igualmente distribuída, em ambos os sexos, e que as mulheres preferem tatuar-se em lugares menos visíveis, como nas costas e no tornozelo (Laumann e Derick, 2006). Armstrong (1991), num estudo com um grupo selecionado de mulheres, documentou que 73% fizeram a primeira tatuagem com mais de 25 anos. Já em 23 escolas de Quebec (Canadá), observou-se a prevalência de 27% de piercing e 8% de tatuagem em estudantes entre 12-18 anos. Os resultados dessa pesquisa demonstram também que embora tatuagens e piercings sejam comuns entre adolescentes eles podem envolver riscos de saúde (Deschesnes, Demers e Fines, 2006).
Esse fenômeno atual e crescente está presente nas sociedades desde os primórdios da "Era do Gelo" em 5300 AC, data que marca a provável primeira tatuagem, encontrada em 1991 no chamado "Homem de Gelo" na Itália, que possuía tatuagens na região lombar, joelho esquerdo e tornozelo direito. Há registros também de tatuagens em antigas civilizações como, por exemplo, no Egito Antigo, na Mongólia (400 AC), nas culturas pré-colombianas e em tribos do sul do Oceano Pacifico (Ilhas da Polinésia) que usavam pontas de ossos para tatuar seus corpos.
(www.galileu.globo.com/edic/86/comportamento1.htm), (acessado em abril de 2004).
Conta-se que em 1769, o explorador James Cook, ao desembarcar no Taiti, ficou perplexo ao se deparar com os habitantes do local que utilizam desenhos em seus corpos ao invés de roupas. Ali ouviu pela primeira vez a palavra tattoow. Desta forma nasceu o nome "tatuagem", derivada da palavra "tattoo"-que significava originalmente a reprodução do som do cabo de madeira ao bater no instrumento que perfura a pele para introduzir a tinta.(ARAUJO, 2005).
No Brasil, na população nativa, as pinturas corporais indígenas são mais comuns que a tatuagem e são utilizadas em situações especificas, com materiais próprios para cada situação. Entre os índios da tribo Wayana, por exemplo, as pinturas corporais têm propósitos específicos como de afirmação étnica, apropriação de qualidades desejáveis como pintar para guerrear, comunicação espiritual e com entes sobrenaturais, como forma de afirmar a humanidade e oposição aos domínios do sobrenatural. A tribo indígena Karajá do Rio Araguaia (Goiás, Mato Grosso e Pará) tem como principio básico a utilização de pinturas corporais como um modo de incorporar sistematicamente informações vindas "de fora" da tribo, como, por exemplo, a pintura de letras do alfabeto na parte de baixo da perna. Portanto, a pintura corporal pode ser uma forma de incorporação, recombinação e expressão do novo, demonstrando uma capacidade de aprender com o contato de novas culturas e aglutinar estas novas influências a cultura já existente. (Vidal, 1977)
Vidal também faz uma leitura da utilização de pinturas corporais das tribos Kayapó e Xikrim como uma forma de "2a.pele". Para a pesquisadora, a pintura é uma expressão da socialização do corpo humano, ou seja, é a subordinação dos aspectos físicos da existência individual ao comportamento e aos valores sociais comuns. Deste modo, estudar e analisar as pinturas corporais pode ajudar a compreender a construção de identidade individual e coletiva e também a perceber a expressão concreta dos valores culturais em que o indivíduo está inserido.
Refletindo sobre o ato de tatuar-se, perguntamos se esse modismo não estaria de certo modo revivendo necessidades e formas de expressão semelhantes às da pintura corporal. Segundo Laumann e Derick (2006), o ato de tatuar-se poderia estar refletindo a falta de sentimento de pertencer a uma comunidade religiosa. A tatuagem permitiria a criação de uma identidade e poderia também explicar a continua associação entre tatuar-se com filiação a uma gangue ou com uma situação de aprisionamento.
Entretanto, há poucos estudos científicos sobre, por exemplo, as causas do florescimento na cidade de lojas de tatuagens oferecendo inclusive piercing e outras formas de transformação corporal. A maioria desses estudos refere-se a aspectos médicos (sobre infecções e remoção da tatuagem) ou socio-antropológicos, associando-se as tatuagens a comportamentos de riscos, desvios de comportamento e doenças psiquiátricas. No fim dos anos 60, e início dos anos 70, diversas publicações relacionaram tatuagens com doenças psiquiátricas e comportamentos criminais. Essas pesquisas falavam que homens que possuíam tatuagens costumavam ter desordens psiquiátricas, duas vezes mais do que os não tatuados; e as mulheres tatuadas apresentavam características mais masculinas e agressivas, relacionadas a atividades criminais (ROOKS, J. ET AUT, 2000).
Nos anos 70 e 80, estudos pareceram confirmar a relação entre tatuagens e desordens psicológicas. Observou-se maior freqüência de auto-mutilação, instabilidade social e uso de armas para suicídio em pessoas tatuadas. No fim dos anos 80 até hoje, estudos têm focado no que diz respeito aos comportamentos de risco e motivações para se fazer tatuagem. Segundo esses, parece que há duas razões mais populares para se tatuar: tentativa de mostrar lealdade a um grupo e demonstração de individualidade (ROOKS, J. et aut, 2000).
Atualmente, a maioria das pesquisas tenta estabelecer uma relação entre tatuagem e comportamento de risco, apontando para os perigos quanto à saúde e para a necessidade de aconselhamento médico para as pessoas que desejam fazer modificações corporais.

Tatuagem e comportamento de risco
Carrol, S.T. et aut. (2002) avaliaram tatuagem e piercing como indicativos de comportamento de risco em adolescentes. Foi observado que os participantes com tatuagem ou piercing estavam mais engajados e tinham maior grau de envolvimento com comportamento de risco. Isso incluía distúrbios alimentares, contato com usuários de drogas, abuso de drogas, atividade sexual e suicídio. Violência foi associada a homens com tatuagem e mulheres com piercing. Contato com usuários de drogas foi associado com tatuagens e/ou piercing feitos com pouca idade. Abuso de drogas foi associado com o número de piercing e suicídio com mulheres e adolescentes tatuados com pouca idade. Nesse estudo, tatuagem e piercing foram mais comuns em mulheres do que em homens, indicando inclusive para os médicos um alerta para a possibilidade de comportamento de riscos em adolescentes, conduzindo a medidas preventivas e aconselhamento.
Roberts & Ryan (2002) procuraram determinar a prevalência e as características sócio-demográficas de adolescentes tatuados numa amostra representativa nacional (EUA) de 6072 jovens, visando avaliar a associação entre tatuados e vários comportamentos de alto risco. A tatuagem foi significativamente associada com idade mais avançada, moradia com um só dos pais,menor status sócio-econômico, mas não significativamente relacionada com gênero, etnia e tipo de vizinhança. Há também forte associação com ter amigos drogaditos, com relatos de relações sexuais, uso de drogas, comportamentos violentos e problemas escolares. Os autores concluem que jovens tatuados têm maior probabilidade de comportamento de risco.
Oliveira, Matos, Martins & Teles (2006) num estudo com 664 adolescentes brasileiros observaram semelhantemente que modificações corporais aumentam o risco do consumo de drogas, experiências sexuais e positividade do anti-HBc sugerindo que tatuagem e piercing podem ser fator potencial de risco para adolescentes.
Entretanto, Rooks, Roberts & Scjeltema (2000), em sua pesquisa com pacientes e membros da equipe do departamento de emergência de um hospital (EUA), chegaram a conclusões diferentes. Essa pesquisa examinou a relação entre ter tatuagens e a apresentação de queixas no departamento de emergência. A pesquisa também procurou examinar a prevalência de tatuagens em pacientes e pessoas da equipe, além de observar as atitudes dos dois grupos em relação às tatuagens. Obtiveram dados sobre tatuagens de 294 pacientes e membros da equipe, que interagiram regularmente com esses pacientes. Na amostra dos pacientes, o fato de ter tatuagens não estava associado à apresentação de queixas e nem à dependência química e doenças psiquiátricas. Quanto mais jovem o grupo, mais propenso era para ter atitudes positivas em relação à tatuagem. Entre os tatuados havia mais fumantes e sujeitos com menor nível de educação. As mulheres costumavam fazer sua primeira tatuagem mais tarde que os homens e preferiam ter tatuagens na parte inferior da perna e nos ombros, enquanto os homens preferiam a parte de cima do braço, o antebraço e os ombros. Não houve diferença entre o grupo de pacientes e membros da equipe. Ambos os grupos também tinham vontade de ter mais tatuagens, sem diferença quanto ao grau de complicação das mesmas. Conclui-se que uma grande porcentagem de pacientes jovens do hospital tinha tatuagens e isso pode demonstrar que está havendo uma popularização da tatuagem. A apresentação de queixas dos pacientes não estava relacionada com o fato de eles terem tatuagens. Pacientes tatuados não eram mais propensos que os não tatuados a apresentarem ferimentos, doenças, ou problemas de dependência química ou psiquiátrica. Esse estudo não sustenta a idéia de estudos anteriores, de que tatuagens podem estar relacionadas com riscos ou desvios de comportamento.
Armstrong (1991) observou igualmente que num grupo de mulheres, 80% não consideravam tatuar-se como um desvio de comportamento. Huxley & Grogan (2005) confirmam esse dado com seu grupo pesquisado, onde não houve correlação entre o número de tatuagens, hábitos, valores e comportamentos relacionados à saúde.
É importante também observar que muitas dessas pesquisas têm focado em sub populações, podendo não representar a população tatuada de hoje em dia. Podemos observar que as tatuagens têm se popularizado e deixaram de ser associadas apenas a prisioneiros, marinheiros ou drogaditos. Muitas pessoas, inclusive atletas, estão se tatuando com o intuito de expressar sua individualidade, fazer declarações políticas ou homenagear alguém que amam. Devido a recente introdução de tatuagens em diversas linhas culturais, é provável que muitas das associações feitas entre tatuagens e desvios de comportamento não sejam mais verdadeiras.
Motivação
No Brasil, Costa (2003) pesquisou quais os motivos das pessoas tatuarem seus corpos, principalmente no verão. Revelando como resultado fundamental a necessidade de cada pessoa expor seu corpo através de símbolos tatuados em partes que julgam as mais belas e sensuais
Na Universidade de Taubaté, foi realizado um estudo quantitativo com o objetivo de compreender o que o jovem pensa a respeito do uso da tatuagem e qual o significado que atribui a ela, os motivos para se tatuar, o tema escolhido, seu significado e características, a opinião da família e da sociedade e o reflexo da tatuagem em sua vida. Como resultado principal foi observado que 67% dos jovens tatuados sentem-se discriminados pela sociedade por terem tatuagens, 48% se tatuou para alcançar realização pessoal, 53% associam o desejo de se tatuar com questões estéticas. Desta forma os pesquisadores concluíram que no jovem de classe media não é encontrado um acentuado preconceito ao uso da tatuagem e seu significado está mais associado a uma forma de expressão de sua personalidade (Arantes, Barbosa & Silva, 2005).
Segundo A. M Chaves do Instituto de Psicologia da USP (2000), a tatuagem é uma forma de comunicação não verbal que oferece informação instantânea. Pode ser evidência da lealdade do indivíduo a um grupo ou sinal de identificação de tribos/ grupos, como por exemplo, a máfia japonesa, conhecida como Yakuzas que tatuam suas costas, antebraços ou tórax para expressar que pertencem ao grupo mafioso.
Assim, os estudos realizados até o momento observam que a tatuagem pode ser uma forma de identificação e pertencimento a um determinado grupo ou "tribo" social, pode ter um objetivo estético e pode ou não estar associado a comportamento de risco. A bibliografia é escassa e as atuais pesquisas na área da Psicologia se limitam a questões superficiais, com resultados pouco esclarecedores ou de censo comum, não se aprofundando nem abarcando a complexidade que o tema merece.


Objetivos

Essa pesquisa tem como objetivo observar as motivações que permeiam o ato de tatuar o corpo em jovens universitários, percebendo e abarcando os possíveis significados para a tatuagem e para o momento em que esta foi realizada, isto é, visa analisar o fenômeno da tatuagem enquanto expressão de um comportamento simbólico. É provável que fatores profundos, talvez inconscientes, estejam projetados nas imagens escolhidas. É provável que esse comportamento seja a melhor forma de expressão de conteúdos emocionais além de uma forma de comunicação social.
Hipóteses
1. O jovem faz tatuagem como forma de marcar sua individualidade e se diferenciar de seu grupo social como defesa à massificação.
2. O jovem faz tatuagem como forma de marcar uma mudança em sua vida ou em um momento de mudança de vida, (associação a um momento marcante).
3. A imagem escolhida tem um significado para o indivíduo: a tatuagem seria a expressão simbólica concreta de um conteúdo inconsciente-como um sintoma (psicossomático) ou uma forma voluntária de marcar na pele um conteúdo que pode ser ou não consciente.
Quadro teórico
Essa pesquisa usa como referencial teórico a Psicologia Analítica e o Modelo Analítico de Psicossomática. Os conceitos principais aqui utilizados foram símbolo e transdução. Por símbolo, entende-se um objeto ou uma imagem carregado de significado, tendo uma parte consciente e outra inconsciente. A teoria junguiana de psicossomática tem como pressuposto que conteúdos inconscientes podem emergir como sintomas mentais e/ou orgânicos. A expressão artística é uma forma simbólica de manifestação do inconsciente, a qual ainda não tem possibilidade de verbalização consciente. Nesse sentido a tatuagem poderia ser uma forma de expressão que permitiria a vazão de sentimentos ainda inconscientes, os quais ainda não foram transduzidos para o plano verbal.
Método
Instrumentos
Questionário semi-dirigido
Máquina fotográfica
Fotografias da tatuagem
Termo de consentimento
Sujeitos
Foram escolhidos aleatoriamente 101 alunos tatuados universitários, de ambos os sexos, idade entre 18 e 30 anos. Os sujeitos foram abordados dentro do campus da PUCSP pelas pesquisadoras que, se identificaram, aproximando-se dos alunos e perguntando se possuíam tatuagem e caso afirmativo, se gostariam de participar de uma pesquisa sobre o assunto.
Procedimento
Foi marcada uma entrevista com os alunos voluntários. As entrevistas foram realizadas numa sala adequada, de modo a preservar a intimidade necessária. Na entrevista foram explicados a natureza da pesquisa e o procedimento. O aluno assinou um termo de consentimento e logo após foi aplicado o questionário. Terminado o questionário, as pesquisadoras tiraram uma fotografia da tatuagem e marcaram uma segunda entrevista no prazo de 10 dias. A segunda entrevista consistiu em mostrar para o sujeito a foto de sua tatuagem e pedir livre associação da mesma. As pesquisadoras anotaram todos os dizeres do sujeito durante a associação.

As entrevistas foram registradas por escritos e as fotos reveladas no formato 20 x25.
Análise Quantitativa
Planejamento estatístico
Cruzamos os dados fazendo testes das hipóteses usando o teste adequando ao nível de medida das variáveis.
As questões abertas forma trabalhadas no programa SPAD. t, que permite relacionar as questões abertas com as fechadas, para a análise de texto.
As questões fechadas foram analisadas com o teste SPSS.
Análise Qualitativa
As associações-livres foram analisadas e interpretadas á luz da psicologia analítica, usando-se principalmente os conceitos analíticos de símbolo e de transdução.
Resultados
Responderam ao questionário e foram fotografados 101 sujeitos.

As imagens obtidas pelas fotografias foram colocadas em categorias reveladas pela análise das imagens. Foram encontradas as seguintes categorias: imagem animal, imagem de vegetação, imagem de astros, imagem de coração, imagem religiosa, imagem de linguagem, imagem mitológica, imagem geográfica, imagem de arma. Essas categorias foram relacionadas às variáveis: sujeito, sexo, local, sentimento de dor, desejo de fazer outra tatuagem e preocupação quanto à visibilidade da tatuagem. Essas variáveis foram retiradas das respostas dadas às perguntas do questionário.
Resultados do SPSS
Na amostra, obtivemos um número maior de mulheres (76) do que de homens (25). (Ver anexo, tabela 1). Essa diferença provavelmente deveu-se ao fato de que as pesquisadoras encontraram mais mulheres do que homens durante o processo de recrutar sujeitos.

Quanto ao local das tatuagens: a maioria dos sujeitos deu preferência a se tatuar nas costas, seguida da nuca e perna, sendo que a maioria das mulheres prefere se tatuar nas costas e nuca enquanto os homens preferem as costas e pernas. (Tabelas 2 e 3).

Quanto às imagens mais freqüentes: a porcentagem maior caiu na categoria animal, com 22,8% dos sujeitos, seguida de figuras de astros, como sol, lua e estrelas (19,8%); imagens de linguagem, como nomes de parentes, de pessoas amadas ou palavras significativas (18,8 %); figuras religiosas (15,8%); imagens míticas como, gnomo, fada, dragão (12,9%) e imagens vegetais, como, flor e plantas (11,9%). (Ver anexo, tabela 4). Observamos que do total de imagens de animais, a maioria foi feita por mulheres, com acentuada preferência por animais voadores (borboleta e libélula). Quatro sujeitos (dois homens e duas mulheres) escolheram animais marinhos, como golfinho e tubarão. (Ver anexo, tabela 5). No total, 10 sujeitos usaram imagem tribal, e dentre eles 6 eram mulheres. (Ver anexo, tabela 6). Somente mulheres escolheram a categoria imagem vegetal (12) sendo a imagem mais freqüente a de flor. (Ver anexo, tabela 7). Vinte sujeitos escolheram a categoria astros e entre eles 18 do sexo feminino. (Ver anexo, tabela 8). Cinco sujeitos escolheram a categoria coração, sendo quatro mulheres. (Ver anexo, tabela 9). As imagens religiosas como mandalas e "Om" apareceram em 16 sujeitos, onze mulheres e cinco homens. (Ver anexo, tabela 10). Figuras de linguagem apareceram em 12 mulheres e sete homens, (ver anexo, tabela 11) e figuras míticas como gnomo, dragão e fada foram escolhidas por 7 homens e 6 mulheres (Ver anexo, tabela 12), revelando proporcionalmente que essas duas categorias foram as preferidas entre os homens. Dois homens e duas mulheres escolheram figuras geométricas, tais como triângulos e espirais. (Ver anexo, tabela 13) e dois homens escolheram figuras de armas. (Ver anexo, tabela 14). Portanto podemos observar que a maioria das mulheres preferiu figuras de animais seguida de astros (estrela, sol e lua) e vegetal (flores).

Quanto ao cruzamento "local da tatuagem com categoria escolhida" ressaltamos que os locais prediletos para tatuar animais voadores são costas e nuca (Ver anexo, tabela 15). As imagens de astros são tatuadas nas costas preferencialmente (12 em 20 sujeitos) (Ver anexo, tabela 18), enquanto imagens tribais se localizam mais nas pernas, pés e virilha. (Ver anexo, tabela 16). Não há uma local preferencial para a categoria vegetal (ver anexo, tabela 17) e coração (Ver anexo, tabela 19). Imagens religiosas são tatuadas preferencialmente nas costas (11 em 16 sujeitos) (Ver anexo, tabela 20). Imagens de linguagem são tatuadas preferencialmente na parte superior do corpo (Ver anexo, tabela 21). Imagens míticas, na perna, dorso e costas (Ver anexo, tabela 22). Imagens geométricas, nas costas (Ver anexo, tabela 23). Arma, na perna e costas (Ver anexo, tabela 24).
A maioria dos sujeitos relata ter sentido dor ao se tatuar, sendo que essa dor é relatada por quase todos que se tatuaram na perna, pulso, braço, dorso, virilha, pé e barriga. Parece que os locais menos sensíveis são nuca, costas e lombar. (Ver tabela 25). Verificamos que mais homens do que mulheres relatam sentir dor durante o processo. (Ver tabela 26). Apesar disso, a maioria dos sujeitos (85) diz que pretendem fazer outra tatuagem. (Ver tabela 27).
Quanto à preocupação com a visibilidade - 77 sujeitos preocuparam-se com essa questão, não havendo diferença entre os sexos (Ver anexo , tabela 28). Aqueles que se tatuaram na virilha, nuca, costas, perna e pulso foram os que mais se preocuparam com a questão da visibilidade (Ver anexo, tabela 29)
Resultados do SPAD. T. (Corda e cruzamentos)
Foram levantadas as palavras mais freqüentes nas respostas dos sujeitos e feitos cruzamentos de algumas questões da entrevista com gênero, local, dor, desejo de fazer outra tatuagem e preocupação com a visibilidade.
Pergunta C
O que você pensou enquanto fazia esta tatuagem?

Palavras mais freqüentes (com significado): dor (26), pensei (24), estava (20), lembro (12), pensava (9), feliz (8), tatuagem (8) , momento (7) e vida (5).

Juntamos as palavras "dor" e "doendo" as quais aparecem em 30 sujeitos, expressando desejo de desistir (devido à dor) ou que termine logo o processo: "queria que acabasse logo por causa da dor"; "nossa , eu suava frio,minhas mãos ficaram molhadas e geladas".

As palavras "pensei", "pensava" e "lembro" referem-se a estados afetivos dos sujeitos no momento, alguns descrevendo que estavam felizes com a realização de um projeto (a tatuagem) e no que esse fato poderia proporcionar. Algumas mulheres revelaram uma certa ansiedade quanto ao resultado e um possível arrependimento. Entretanto, o ganho imaginado pela tatuagem ajudava a agüentar a dor. Por exemplo, "pensei que ia mudar o meu corpo com uma coisa que gosto; estava feliz apesar de sentir dor". Várias mulheres relataram medo do resultado e a maioria dos homens queixou-se da dor , coincidente com os resultados da tabela 26, acima descritos. Quanto ao local da tatuagem, a sensação de dor é presente principalmente no relato daqueles que se tatuaram nos pés: "Muita, muita dor! Não consegui pensar em nada.". Aqueles que relataram não sentir dor durante o processo, associaram esse momento a uma questão religiosa, ao sentido do símbolo sendo tatuado e o significado do mesmo. Aqueles que não se preocuparam com a visibilidade relataram que esse era um momento importante de suas vidas ou que estavam fazendo uma homenagem a um ser querido: "Pensei no meu pai já falecido"; "Queria fazer uma homenagem à cidade que tenho no coração"..

Parece que durante o processo de tatuar-se a questão da visibilidade e o desejo de fazer outra tatuagem não foram relevantes. (ver anexos QCF, QC Corda 1, QC Corda 2, QCM 1, QCM 2, QCM 3, QCM 4 e QCM 5).
Pergunta D
Com quem você estava quando fez a tatuagem?
Palavras mais freqüentes: amiga (19), mãe (14), namorado (13), sozinha (13), irmã (11), amigo (10), amigas (10), sozinho (9) amigos (8). Assim, observamos que a maioria dos sujeitos foi acompanhada em geral por amigos e amigas. Os sujeitos que se preocuparam com a visibilidade estavam sozinhos na sua maioria e os que não se preocuparam estavam acompanhados. Seis entre dez sujeitos que estavam com a mãe não relataram sentir dor, o que é significativo, à medida que a maioria sentiu dor. Não houve dados significativos no cruzamento "estar acompanhando" com o "local da tatuagem" e "desejo de fazer outra". (Ver anexos QDF, QD Corda 1, QD Corda 2, QDM 1, QDM 2, QDM 3, QDM4 e QDM 5).
Pergunta E
Como você escolheu o estúdio/local que iria realizar esta tatuagem?
Palavras mais freqüentes: estúdio (22), indicação (20), tatuador (16), amigo (13), amiga (8), amigos (12), amigas (8), tatuagem (8), lugar (11). Assim, observamos que a maioria dos sujeitos procurou um estúdio que já conhecia ou que foi indicado por amigos, além de se preocupar com a habilidade do tatuador. Por exemplo: "fui por indicação de um amigo, mas antes fui conhecer a higiene do local". (Ver anexos QEF, QE Corda 1,QE Corda 2, QEM 1).
Pergunta G
Como estava sua vida quando fez essa tatuagem? Como você estava se sentindo neste momento?
Palavras mais freqüentes: bem (31), feliz (26), vida (25), momento (17), tatuagem (14), faculdade (13), sentindo (11), acabado (11), época (8), colegial (7), tempo (6). Observamos que a maioria das mulheres estavam se sentindo bem e felizes na época em que fizeram a tatuagem. Por exemplo:"estava muito bem, tinha acabado de trocar de estágio". Há também associação com o fim de uma etapa, como término do colegial ou início da faculdade. Com os homens há uma nítida marcação de uma etapa mais tumultuada e aflitiva como: "Eu queria mudar minha vida. Estava insatisfeito com meu trabalho, achava que estava jogando meu tempo e minha saúde no lixo". Ou "Eu havia acabado o primeiro ano da faculdade e tinha começado a morar sozinho. Eu estava querendo achar meu lugar no mundo". O desejo de uma transformação - "precisava de mudanças" e a marcação de um momento afetivo importante "estava apaixonadíssima" também são bastante freqüentes. Os cruzamentos dessa questão com o "desejo de querer ou não fazer outra tatuagem" e "preocupação com visibilidade" não acrescentaram nenhuma informação nova.
(Ver anexos QGF, QG Corda 1, QG Corda 2, QGM 1, QGM 2, QGM 3, QGDM4 e QGM 5).
Pergunta H
Agora se concentre na sua tatuagem... O que vem à sua cabeça? (associação livre)
Palavras mais freqüentes: liberdade (16), minha (11), vida (12), desenho (6), tatuagem (6), proteção (4), esperança (3). Observamos que a maioria dos sujeitos, ao pensar na própria tatuagem, costuma associá-la à liberdade. Outros sujeitos relacionam a tatuagem a um momento específico da vida, a um marco, a uma transformação, a uma homenagem. Por exemplo, "liberdade, lembrando agora do momento que eu fiz e pensando nela hoje, acho que foi um ato de liberdade em vários sentidos, o meu corpo para a vida"; "me vem uma coisa legal, bem feita, que marcou uma fase ótima de minha vida". O cruzamento dessa questão com o local não trouxe mais informação, à medida que houve uma grande dispersão, isto é, o local não foi um determinante na associação livre. Quanto à categoria de imagem, os desenhos de astros, animais voadores e marinhos são associados à liberdade: "o que vem na cabeça é liberdade e felicidade". Imagens de coração associam-se basicamente ao amor: "Muito amor incondicional, o mais puro do mundo, uma pessoa especial vinha em meu encontro". Imagens de linguagem, tais como os nomes de uma pessoa, representam o amor do sujeito por ela ou uma homenagem prestada a ela: "Uma homenagem para a pessoa mais importante de minha vida". Figuras de dragão e monstros lembram força, enquanto a fênix lembra a necessidade de recomeçar, não desanimar. Poder e proteção aparecem na associação com desenhos de arma. Os desenhos tribais, vegetais, religiosos assim com a presença da dor durante a tatuagem e o desejo de fazer outra tatuagem não marcam uma associação específica. (Ver anexos QHF, QH Corda 1, QH Corda 2, QHM 1, QHM 2, QHM 3, QHM4 e QHM 5, QHM 6, QHM 7, QHM 8, QHM 9, QHM 10, QHM 11, QHM 12, QHM 13, QHM 14, QHM 15).
Pergunta I
Por que você fez essa tatuagem?
Palavras mais freqüentes: sempre (25), tatuagem (22), para (21), minha (18), queria (15), vontade (15), desenho (14), vida (11), símbolo (9), gosto (9), bonito (8), gostei (8), estava (8), significa (5), tatuagens (3). Podemos ver que muitos dos sujeitos fizeram a tatuagem para representar um desejo, um gosto ou vontade, tanto para agradar os outros quanto a si mesmo ou prestar uma homenagem: "Fiz essa como símbolo de união com a minha esposa". Além disso, muitos disseram que sempre gostaram de tatuagens e desejavam fazer por achar bonito. Alguns deles se preocuparam com o símbolo que estavam colocando no corpo. Pode-se perceber que a tatuagem, na maioria das vezes, está relacionada a algo que é próprio do sujeito, tendo o desenho um significado simbólico para cada um: "Quando encontrei o desenho me apaixonei por ele e seus significados"; "O desenho significa muito para mim.", "Sempre ouvi essa história e sempre gostei muito de anjo". Para muitos a finalidade da tatuagem é de marcar uma fase na vida, por exemplo: "Eu estava querendo marcar essa fase da minha vida de alguma forma."; "Gosto de estrelas porque representam uma boa fase da minha vida." ou "Eu estava saindo de um aprisionamento da minha existência".
(Ver anexos QIF, QI Corda 1, QI Corda 2).
Pergunta J
Como você chegou nesse desenho?
Palavras mais freqüentes: queria (11), tinha (8), gosto (7), pensei (6), estava (8), significado (5), símbolo (5), desenho (31), tatuador (15), fazer (11), sempre (14), gostei (9), escolhi (7), tatuagem + tatuagens (9), internet (6). Em geral, cada sujeito chegou ao desenho a partir de uma experiência diferente e própria, escolhendo em geral uma imagem de seu agrado estético: "Acho o desenho bonito, era um desenho familiar"; "É um desenho marroquino com o qual eu me identifiquei"; "Sempre carreguei o desenho de uma borboleta na carteira"; "Adoro flores, pensei em rosas, suas linhas acompanham as minhas". Além disso, em alguns casos, o tatuador teve uma participação na definição exata do desenho: "Levei um desenho e o tatuador redesenhou". Muitos dos sujeitos pesquisaram o desenho em livros e na internet antes de fazerem a tatuagem. Por exemplo: "O desenho tirei de um outro livro que gostava na infância". Não foi observada diferença de gênero em relação a essa questão. Os sujeitos também não fizeram referências ao local escolhido em relação à escolha do desenho.(Ver anexos QJF, QJ Corda 1, QJ Corda 2, QJM 1, QJM 2, QJM 3, QJM4 e QJM 5).
Pergunta K
O que significa esse desenho para você?
Palavras mais freqüentes: significa (21), vida (14), liberdade (11), algo (11), momento (9), desenho (7), tatuagem (6), fase (6), sempre (6), símbolo (5), amor (5), proteção (5), beleza (4). Para alguns, o significado da tatuagem está relacionado ao desejo de marcar um evento, um momento importante ou uma forte ligação amorosa: "significa o forte laço com a minha mãe"; "pessoas importantes demais na minha vida"; "amor pela minha irmã"; "Uma presença dela (mãe) comigo para sempre, exteriorizada. Às vezes boto a mão nela e me faz bem". Vários relacionam à tatuagem a marcação de uma fase: "a marca de um momento"; "significa uma fase da minha vida"; "fiz a tatuagem meio que para dar a devida importância que essa fase significa na minha vida".
Embora a palavra "momento" não tenha uma freqüência muito alta, podemos observar que os sujeitos referem-se várias vezes a fatos marcantes representados na tatuagem. "Esse desenho marca uma ótima viagem de minha juventude"; "As flores representam coisas que aconteceram, que ajudaram no meu crescimento".
Para algumas pessoas a tatuagem associa-se à liberdade: "liberdade em todas as direções", para outros, à proteção e beleza "de uma beleza singular".
Em geral, podemos observar em muitos sujeitos que o ato de tatuar-se expressa o desejo de tornar permanente ou inesquecível uma relação amorosa ou um fato importante e positivo de sua vida. Parece que a tatuagem seria uma forma de memória indelével que o sujeito necessita como proteção ou estímulo em sua vida: "significa a realização de muitas coisas, vivências, alegrias, experiências que nunca mais esquecerei". Como também ao marcar um evento importante, pode auxiliar o indivíduo a lembrá-lo de uma passagem para outro nível de modo a não regredir para um estágio anterior, como naquele que escolhe o desenho de uma tribo: "é o símbolo de uma tribo que conheci"; "símbolo universal de algo que eu preciso".
Ao tatuarem-se, alguns sujeitos sentem que exteriorizam e tomam posse de um fato que temem perder com o passar do tempo: "Uma tatuagem para mim significa uma fotografia, o maior grau possível de realidade. Por essa ter sido uma fase muito significativa, senti necessidade de concretizar esse eu para que se mantenha sempre presente... Eu a concretizei para não sobrar dúvida, para afirmar que nunca vou negar algo que já fui".
Outro aspecto revelado é a tatuagem como marca de identidade: "Significa o que sou e sempre serei"; " é um logotipo de mim mesma". Ou como conteúdo que o sujeito diz necessitar integrar na sua consciência ao tatuar, por exemplo, o ideograma do amor: "a coisa mais importante na minha vida, o que preciso para viver".
Quanto ao cruzamento dessa pergunta com o sexo pudemos observar que as associações femininas são mais sucintas, isto é, enquanto as mulheres respondem com uma palavra, os homens descrevem um estado "a presença dela comigo para sempre, exteriorizada". As respostas femininas remetem mais à liberdade e ao amor quando comparadas às masculinas.
Em relação ao cruzamento dessa pergunta com os locais tatuados não encontramos referências que estabeleçam um significado especial. Uma exceção é o sujeito que faz sua tatuagem no pé: "meu pé é a base do meu corpo, o que faz ficar em pé, minha família é a minha base, de onde vem meus valores, meu sustento emocional". Ou a referência direta de virilha com sexualidade "é a representação de uma fase de transmutação, algo em busca do novo, apaixonadamente esperando o próspero". Verificando o cruzamento da questão com os sujeitos que possuíam animais tatuados podemos observar que aqueles que tinham os animais voadores remetem-se mais a liberdade e leveza: "Liberdade, meu contato com a natureza. A busca por aquilo natural, livre, uma representação de um lado instintivo e inconsciente".
Entretanto, em geral, não é possível atribuirmos um significado a um tipo de imagem, pois os sujeitos fizeram diferentes associações em relação ao mesmo desenho. Além disso, embora a referência seja a mesma , a forma e as cores do desenho bem como os elementos que o complementam mudam substancialmente seu contexto. Por exemplo, as associações relativas à estrela vão de alegria e amor à continuidade do tempo, movimento, liberdade, boa fase, inspiração e iluminação.
Não foi observada relação entre sentir ou não dor, desejo de fazer outra tatuagem e preocupação quanto à visibilidade com um significado especial atribuído à tatuagem. (Ver anexos QKF, QK Corda 1, QK Corda 2, QKM 1, QKM 2, QKM 3, QKM4 e QKM 5).
Pergunta L
Você pensou quais seriam as reações das pessoas quando vissem essa tatuagem?

Palavras mais freqüentes: não (77), pensei (23), muito (20), pessoas (13), pais (11) tatuagem (9), gostar (7), mãe (8), amigos (7), pai (7), achei (6). Embora a palavra não apareça 77 vezes, ela não se refere necessariamente ao fato dos sujeitos não terem se preocupado com a reação dos outros. Por exemplo, na frase "meus pais não iriam gostar muito'', o "não" aparece como preocupação. Na totalidade, não há uma diferença significativa entre o que se preocuparam em relação àqueles que não se preocuparam com a reação dos outros. Em geral, os sujeitos que se preocupam o fizeram em relação aos pais: "pensei na minha mãe e avós que não são adeptos"; "pensei que minha mãe odiaria e me reprimiria". Há também referências à admiração e reação positiva dos amigos: "pensei que meus amigos achariam irado; "imaginei que amigos e amigas iriam gostar", revelando que o ato de tatuar-se, embora possa contrariar os pais, é uma forma de ser admirado pelo grupo de amigos. O local da tatuagem não é um fator significativo em relação ao fato de preocupar-se ou não quanto à visibilidade. Da mesma forma, o tipo e tema do desenho, uma vez que as imagens escolhidas são do agrado do sujeito. Também não houve relação com a variável sentir dor e local da tatuagem.
Entretanto, conforme esperado, a preocupação com visibilidade foi um fator predominante entre aqueles que se preocuparam com a reação dos outros. (Ver anexos QLF, QL Corda 1, QL Corda 2, QLM 1, QLM 2, QLM 3, QKL4 e QKL 5).
Associação Livre com as Fotografias
As palavras "gosto" e "gostei" aparecem em 22 sujeitos, "legal" em 15, "bonito" em 8 sujeitos. Deste modo, podemos observar que os sujeitos na sua maioria revelam gostar da imagem escolhida e do produto final. O uso das palavras "bonito" e "legal" atesta esse fato. A palavra "não "aparece com freqüência - 84 vezes, revelando, em geral, certa surpresa e estranheza frente à foto da mesma, principalmente quando ela não é visível para o sujeito: "é engraçado ver essa tatuagem quando você não vê sempre", "não parece que sou eu". "O símbolo ficou bem desenhado e me deu a sensação de equilíbrio e paz". As palavras alegre, beleza, delicadeza, equilíbrio, felicidade, leveza, paixão aparecem também com certa freqüência.

As associações mais evidentes com o tema do desenho revelam que:
- animais voadores são associados à leveza, delicadeza, feminilidade, vôo, liberdade, transformação e metamorfose.

- animais terrestres são associados a desejo, amigos, independência.
- imagens de vegetal são associadas à verão, beleza, perfume, mulher e amor.
- imagens religiosas são associadas à fé e proteção.
- imagens de astros são associadas à solidão, família (quando mais do que um), metas a serem alcançadas, paixão.
- figuras de linguagem expressam homenagem, vínculos com pessoas amadas e lembranças de pessoas ou lugares de que gostam (mais consciente).
Independente da imagem, a maioria revela que a tatuagem é uma forma de marcar no corpo o que sentia por dentro, uma forma de marcar experiências que estavam vivendo no momento ou de buscar uma coisa diferente de modo a promover uma nova identidade.
As associações, na maioria das vezes, não estabelecem um vínculo direto com a forma ou tema do desenho, mas sim, mais a um estado, sentimento e lembrança. Desta forma, a imagem de peixes no fundo mar, astros e figuras de linguagem foram associados à memória de um ente amado, golfinhos e astros com expressão de desejos, astros e flores a figuras de identificação.
Vários sujeitos titubearam para responder a associação livre, "não tem palavra para falar disso"; "é difícil, vem um sentimento de amizade, de união", "sei lá, eu esqueço que ela existe, mas eu gosto dela". Podemos aqui pensar, que a tatuagem é um símbolo inconsciente que ainda não pode ser traduzido em palavras. Como registro de uma fase ou sentimento, "me vem uma coisa que é só minha", "traduz o que eu sou, como se você olhasse uma foto sua, diz tudo", a tatuagem é um comportamento expressivo e não racional.

(Ver anexos QFotF , QFot Corda 1,QFot Corda 2, Qfot Corda 3, QFotM 1, QfotM 2, Qfot 3, QKfot4 e QfotM 5, QfotM 6, QfotM 7, QfotM 8, QfotM 9).
CONCLUSÕES 
A amostra foi predominantemente feminina, aqui significando apenas que as pesquisadoras encontram mais mulheres no universo pesquisado e não indica que os homens se tatuem menos do que as mulheres.

Apesar da maioria dos sujeitos ter respondido não se preocupar com a questão da visibilidade, o grande número de tatuagens nas costas e nuca pode ser revelador de uma preocupação, talvez inconsciente, com uma possível crítica social. Por outro lado, quando não houve preocupação com a visibilidade, percebeu-se o desejo de tornar pública a marcação de um momento importante da vida ou de fazer uma homenagem a um ser querido. A reação dos outros frente ao ato de tatuar-se somente é temida quanto se refere a critica dos pais, mas é desejada quando se espera a aprovação dos amigos.
Verificamos que a primeira hipótese - o jovem faz tatuagem como forma de marcar sua individualidade e se diferenciar de seu grupo social como defesa à massificação não foi comprovada. Embora alguns sujeitos se refiram diretamente à tatuagem como forma de marcar sua individualidade, seu número é pequeno e não permite generalizações. Parece que tatuar-se se refere mais à sensação de pertencer a um grupo ou de ter algo em comum com um grupo de referencia, permitindo sua inserção social no mesmo. Em vários sujeitos, a escolha (por indicação de amigos) do estúdio de tatuagem, bem como o fato de levar os amigos junto e esperar pela aprovação deles, parecem comprovar esse fato. Embora não faça parte de nossas hipóteses, esses dados nos permitem concluir que o ato de tatuar-se, nesse grupo de sujeitos, está intimamente ligado ao desejo de participação num grupo social e reforça a segunda hipótese.

A segunda hipótese - O jovem faz tatuagem como forma de marcar uma mudança em sua vida ou em um momento de mudança de vida, (associação a um momento marcante) foi comprovada como vemos nas respostas às questões G, H e K e associação livre. Os resultados permitem concluir que o ato de tatuar-se tem forte associação com:
1. o fim de uma etapa. A tatuagem vincula-se ao desejo de estabelecer uma marca a qual impediria um retrocesso a uma etapa anterior, vivida negativamente. Nesse caso, a tatuagem proporcionaria uma espécie de marcação indelével, uma lembrança da superação de antigos conflitos e problemas.
2. o começo de uma nova fase. Aqui também, parece que o ato de tatuar-se é um preventivo quanto ao retrocesso e uma forma de manter na consciência, novos objetivos.

3. um momento de transformação. O alto número de associações com liberdade, desejo de voar e movimento, bem como a escolha de imagens com esse significado, permite concluir que muitos se tatuam para registrar um sentimento ou um desejo de transformação.

4. a marcação, memória e posse de momentos importantes. Em muito sujeitos observamos a tatuagem como reflexo da necessidade de não perder a memória de pessoas e fatos significativos. Ao marcar na pele, os sujeitos esperam garantir que não se esquecerão de algo extremamente significativo, um evento que lhes dá força e significado de vida. A tatuagem, nesse caso, funcionaria como um diário ou uma fotografia, permitindo a exteriorização de um sentimento e a posse de um fato que temem perder com o passar do tempo.

5. expressão de amor e homenagem a uma pessoa amada.

Poderíamos aqui observar a tatuagem como uma transdução ou processo de simbolização, onde sentimentos inconscientes são expressos em desenhos e cores. A tatuagem parece dar forma ao invisível, torna tangível o inconsciente , traz a tona o que está no "fundo do corpo" para a parte externa, visível e controlável. A necessidade de marcar no corpo aquilo que ainda não é certo, parece dar ao sujeito um sentimento de proteção, segurança e bem-estar. É importante notar que a dor sentida durante o ato de tatuar-se parece fazer parte da necessidade de memorizar esse processo.
A terceira hipótese - A imagem escolhida tem um significado para o indivíduo foi comprovada nas associações livres e respostas: C, D, G, H, I, J e K. Todos os sujeitos atribuíram um significado tanto ao ato de tatuar-se quanto à imagem tatuada. Entretanto, a escolha do tema das tatuagens não é um dos fatores significativos para essa hipótese. Embora verifiquemos a presença predominante (em ordem decrescente) de animais, astros, palavras, figuras religiosas , imagens míticas e de vegetação, não há uma relação literal entre essas imagens e significados a elas atribuídos. Podemos falar mais em tendências induzidas pela forma do desenho como na categoria de astros, animais voadores e marinhos que são associados à liberdade, imagens de coração associadas basicamente ao amor; imagens de linguagem a amor, homenagem e pertencimento; figuras de dragão e monstros lembram força, enquanto a fênix lembra a necessidade de recomeçar, não desanimar. Poder e proteção aparecem na associação com desenhos de arma.

Em geral, podemos observar em muitos sujeitos que o significado da imagem escolhida reflete o desejo de tornar permanente ou inesquecível uma relação amorosa ou a memória de um fato importante e positivo de sua vida. Os símbolos escolhidos se relacionam com proteção, necessidade de liberdade, pessoas queridas, fatos memoráveis ou estímulo de vida. Mas, não é possível atribuirmos um significado a um tipo de imagem pois os sujeitos fizeram diferentes associações em relação ao mesmo desenho. Além disso, embora a referência seja a mesma , a forma e as cores do desenho bem como os elementos que o complementam mudam substancialmente seu contexto. Por exemplo, as associações relativas à estrela vão de alegria e amor à continuidade do tempo, movimento, liberdade, boa fase, inspiração e iluminação.
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